domingo, 13 de dezembro de 2009

Deusa Original



Ela é o fulcro da espiral
onde tudo acaba
onde tudo recomeça.
Ela é semente,
é Deusa original,
é a fonte, é o fermento,
que, neste mundo descomunal,
encontra a sábia medida
e envolve na sua aura
de Deusa justa, ancestral,
tudo o que somos:
as sombras, os macios,
a seiva, as torrentes,
o néctar do vento,
e os segredos dos lírios.

No Museu


Ela de saia
ele de farda.
Ela gingava
em cada passada.
Ele de guarda
e em sussurro
eis que lhe fala:
- Mas que gira!…
olhos no chão
rubor na mirada.
Ele que a sente
deambular pela sala .
Ela quente
que dele se afasta .
Ele procura-a
e eis que lhe fala
sob o imenso
tapete de Bengala:
- Posso conhecê-la?
Ela quase desmaia
- Vemo-nos logo
que eu daqui saia.
- Hoje não posso,
viagem marcada.
- E se for amanhã,
de madrugada?

Erva e Aldão


Era uma vez a Dona Erva
que andava a varrer o chão
quando lhe caiu o erre…
Passou a ser a Dona Eva,
Eva dos Santos Simão.

Sua vizinha era a Dona Alda,
casada com o Sr Aldão,
foram os dois ao cinema,
deixaram lá os eles,
Alda passou a Ada,
Aldão a Adão.

Eva e Adão viam-se nas escadas
do prédio onde moravam.
Eva saía, para a praça,
Adão voltava, para casa.

Um dia, Eva, deu a Adão,
o seu olhar de maçãs gradas.
Então, Adão, chamou-a:
- Vamos ao jardim?
E mostrou-lhe o seu segredo:
a serpente que tratava
sob o arbusto de jasmim.

Juntos curaram a serpente
que anda agora à solta, por aí.

domingo, 17 de maio de 2009

Um dia uma Filhó


Um dia uma filhó
começou a tremigotar.
E o seu acento suspensou.
Assim. Suspensou no ar.

A filhó passou a filho,
só sabia saltandar.
Deu um encontrão ao acento
e voltou-se a acentuar.

O acento sempre em queda
espiralizou pelo ó abaixo.
E o filho passou a filha.
Assim. Por questão de espaço.

domingo, 23 de novembro de 2008

A Máscara encontra o seu Bigode ou o Flamingo Desiludido



OHHHHHHHH!!!


Era uma vez uma mão
a apontar numa direcção.
Mas não era bem, bem uma mão
era…..
OHHHHHHHHH!
Era o Crocodilo Aprendiz
a equilibrar uma chávena
na ponta do nariz.

A chávena tinha chocolate
quente, quente que se derretia.
Mas não era bem, bem uma chávena
era…..
OHHHHHHHHH!
Era um navio de brincadeira,
com cinco chaminés e um peixe
a espiar-lhe a bandeira.

O peixe era mágico
e fazia bolas de sabão.
Mas não era bem, bem um peixe
era…..
OHHHHHHHHH!
Era o pato Afonso Nico
há duas horas a tirar
uma mola da ponta do bico.

A mola de roupa
era de madeira e estava rouca.
Mas não era bem, bem uma mola
era…..
OHHHHHHHHH!
O tal peixe mágico
prestes a comer uma maçã
de um venenoso verde metálico.

A maçã era da Eva
envenenada pela serpente.
Mas não era bem, bem uma maçã
era…..
OHHHHHHHHH!
O Palhaço Assim-Assim
que andava à caça
do seu sapato de cetim.

O sapato de cetim
era brilhante e perdeu os atacadores.
Mas não era bem, bem um sapato
era…..
OHHHHHHHHH!
Era a Dragona das Bossas Douradas
a contar histórias à lua
que acorda triste nas madrugadas.

A lua adormeceu,
feliz com as histórias.
Mas não era bem, bem a lua
era…..
OHHHHHHHHH!
Era a tal serpente
que transformou a maçã
numa bela raquete reluzente.

A raquete de ping – pong
era vermelha e voava.
Mas não era bem, bem uma raquete
era…..
OHHHHHHHHH!
Era um aviãozinho lindo
que sabia a morango
e fumava cachimbo.

O cachimbo era de ouro
e o fumo fazia desenhos no ar.
Mas não era bem, bem um cachimbo
era…..
OHHHHHHHHH!
Era o Gato Pirulito
que olhava para a escova de dentes
como se fosse um palito.

A escova de dentes
era robusta e equilibrista.
Mas não era bem, bem uma escova
era……
OHHHHHHHHH!
Era um elefante curioso
que abria a Caixa dos Segredos
e abanava a cauda todo vaidoso.

A Caixa dos Segredos
tinha dentro o Palhaço Assim-Assim.
Mas não era bem, bem a Caixa dos Segredos
era….
OHHHHHHHHH!
A charrete do Trovador
puxada pelo Cinzento
que na boca levava uma flor.

A flor era o lírio amarelo
que tem os pós de Perlimpimpim.
Mas não era bem, bem uma flor
era…..
OHHHHHHHHH!
Era um enorme ramo de flores
que a Crocodília oferece ao Crocodilo Aprendiz
cheia de amores e muito feliz!


(criado a partir do livro “OH” de Josse Goffin)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Dois Rumos


Uma garrafa derrubada sobre a mesa deixa sair líquido às golfadas. A cadeira está de lado e o entrançado de palma molhado. A outra cadeira, em frente, está virada para o lado oposto, para o mar.

Duas pessoas estão sentadas. Os dois copos estão limpos.
Uma olha para o mar, a outra olha para o muro de pedra.

Não se cruzam, nem nos olhares.

Um dos pés balança.
Cai o cinzeiro vazio.
Duas mãos avançam para apanhar o cinzeiro.
Tocam-se os dedos.