terça-feira, 3 de junho de 2008

Sapo - de - unha - negra


Nas viagens e nos locais de paragem foram muitos os animais avistados e imaginados, menos os tocados e manejados.
Vimos um Mocho Real numa Faia, pegas rabudas num campo de batatas, a toca de uma coelha esventrada por uma raposa que lhe levou os coelhinhos, duas poupas a voarem das suas tocas mal - cheirosas junto ao chão, um corço a beber na Ribeira do Mosteiro, os grifos e os seus bebés nos ninhos abruptos das fragas, os abutres do Egipto, águias e falcões às dezenas em espiral ascendente sobre a nossa cabeça no Castro de Siraguenha ….
Quem sofreu nas mãos do Marco uma tarde inteira foi uma bela lagartixa das rochas que posou com invulgar sentido de missão involuntária obrigatória. Mas quem sofreu mesmo, mesmo, mesmo, foram Crispim e Francisquinho, dois sapinhos de unha negra que se atravessaram na estrada quando estávamos a chegar ao albergue, e que foram parar directamente sobre duas mesas da nossa fria sala; numa sob os olhares atentos e perscrutadores dos Pedros e da Sara, na outra, sob a mirada intensa e indagadora da Nádia e o Marco. A Sandra rodopiava de mesa em mesa a conter o ímpeto de acabar com aquele sofrimento de modelos à força e devolvê-los à proveniência. O Marcos assistia de longe, imune à atracção anfíbia. Assim foi o diálogo:

- O bicho está stressado!
- É um modelo vivo em movimento.
- Movimento em modelo vivo.
- Isso.
- Só mais um bocadinho…
- … em nome da ciência ou da arte, já não sei bem!
- Então qual é o nome deste?
- Sapo de unha preta?
- É o Crispim.
- Nunca tinha agarrado um!
- Nunca tinhas agarrado um Crispim?
- Um Crispim não. Só um Francisquinho.
- O nosso é o Francisquinho.
- Esse é de BD.
- Pelobates cultribes.
- O quê?
- Coach!!! Coach!!!Coach!!!
- Pelobates cultribes.
- É o nome dele.
- A unha é demais!
- Isso é o nome de código.
- Este sapo é um espião.
- Precisa de ir para a rua, coitado.
- Vais é comigo para Lisboa, Oh Crispim!
- Coach!!! Coach!!!Coach!!!
- Que belos músculos! Isso, estica, estica!! Que beleza!
- Fritas estas perninhas…
- Isso.. estica, faz uma forcinha!
- Segura. Assim.
- Aiiii!! – caiu no chão!!!
- Coach!! Coach!! Coach!!!
- Já o agarrei tres vezes!
- Vem cá!
- Que espectáculo, as patas do gajo!!
- Vou é fazer as patas que é giro!
- Estás a inchar… anda cá!
- Ooooooops! (salta para cima da Sandra)
- Coitadinho, está mesmo aflito!
- Não se pode fazer isto aos bichos!!
- Espera aí, vamos colocá-lo dentro deste envelope. Tira-se a bússola – o João já não vem, não é? - assim fica mais calmo.
- Deixa-te estar aí sossegadinho…
- Bem me parecia que ele não aguentava muito tempo assim…
- Fiz mais rápido…
- Estavas a pressentir que ele ia saltar…
- Ele ia ali, tu é que não percebeste.
- Coach!!! Coach!!!
- Parece uma vaca!
- Está assustadíssimo.
- Isto já é grasnar…
- Ó Marcos, não desenhas o sapo?
- Eu é mais bolos.
- Pupino…
- Coubes… de Bruxelas…
- Feijão brumelho…
- Coach!!! Coach!!!
- O gajo está mesmo stressado!
- O príncipe…
- Ele precisa de água….
- Vou levá-lo. Acabou a tortura.
- Puseste – lhe água em cima?
- Pus, no canteiro….

(à entrada do albergue, todos)
- Assim, os dois, perto.
- Estava com saudades do amiguinho.
- Na estrada estavam a 5 m um do outrro.
- Olha como ele se enterra..
- E este também…
- Que rápido..
- Usa a unha como elevador…
- Neste caso como descedor..
- Isso…
- Já fizemos sapos, abutres, aves…
- Pupinos…
- Já viste o fractal?
-… alfavaca …
- Ah! A folha de feto!
- Repete-se a estrutura dentro da outra.
- … feijão bromelho…
- A aragem é uma boa aragem, mas não havia necessidade de ser tão fria….
- … pimentos…
- … pupinos …
- Tentámos encontrar, p’ra desenhar, um.. um..
- … um predador do silúrico?
- Uma vez o cenozóco encontrou-se com o holocénico e foram visitar o fanerozóico que estava muito sozinho… até que caiu um meteorito…
- … coitado!
- Do meteorito?
- … feijão bromelho…
- Tu grifalhas?
- Ai não grifalho não senhor, não grifalho não senhor!
- Ai grifalhas, ai grifalhas!
- Ai não grifalho, não grifalho!
- E tu? Reverberas?
- Ai não reverbero, não reverbero!
- Então assarapantas?
- Ai não assarapanto, não assarapanto!
- Eu binoculo.
- Chá?
- Sim! Chá!
- Vamos!
- O Chá aquece o esófago …
- … e depois passa para a alma …
- … que está entre o esófago e as costas.
- Isso.

1 comentário:

Anónimo disse...

È muito bem o seu trabalho. Tenho acompanhado regularmente e apreciado a originalidade . Por isso aqui fica o meu incentivo.