terça-feira, 27 de maio de 2008

Ondifone Poema


São ininterruptas
e pequenas
as ondas do rio d’oiro.
Cada uma um segredo
que tem de ser levado
inteiro.

Cada onda sucede à outra
não há duas iguais
nem de som nem de tema
e seguem no seu cantar
em ondifone poema.

Cantam confidências
de um mar Varisco
que salgou o tempo.
Mar que as crianças
dizem escutar
enquanto a sua mãe
dorme serena
ao som
de um ondifone poema.

E quem nasce no planalto
e dorme na cama do Douro
é fadado
pela generosidade da terra
porque foi embalado
oo som
de um ondifone poema.

Arribas d'Ouro


São gigantes fenomenais
e velam pelas águas d’ouro.

Soldados – penedo
de máscaras líquene – caril,
abrupta fortaleza
una, viril,
protege do tempo
os segredos universais
o calor da rocha derretida
nos fornos colossais,
testemunho de continentes loucos,
de vulcões que nunca viram a luz,
gigantes de granito branco e negro
outrora forno, hoje fortaleza
os tais soldados – penedo.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Tanto amor de uma assentada


Tanto carinho rolado
no ninho, de uma assentada.
É a mãe grifa de amor
que se esmera deleitada.
Tantos mimos desde a madrugada.

Bica, debica, enrola,
pica, empurra, rebola,
o bebé aceita, coopera,
desespera e colabora.

Vem o pai, traz comida,
chega ao ninho, babado,
ele e ela enrolam, rebolam,
viram, reviram, coçam,
comemoram e entreolham-se:
- Que linda criança é a nossa!

Pai grifo olha em redor.
Na fraga a pique, mais abaixo,
estão dois grifos grandes parados.
Feitos estátua e de olhos fechados.

Um olho buliu e o outro lhe ardeu:
- Quem são aqueles dois, quem são?
A mãe grifa respondeu:
- Não há razão para preocupação!
São nossos primos, nossos vizinhos,
acabaram de chegar da jornada.
E estão alerta, desde a madrugada.

E o tal tanto amor
(o mar de carinhos,
a madrugada de mimos)
por momentos suspenso
devido ao perigo potencial,
voltou de novo duma assentada.

E vira, debica, sacode e rebola,
enrola, cata, repica e abana,
na fofa criança,
farfalhuda e de penugem branca,
até ao momento crucial
em que o pai regurgita,
em que desembucha
na pequenininha boca…
mas, antes, deixa ficar no ar
uma muito importante nota:
- Que linda criança é a nossa!

domingo, 18 de maio de 2008

Duendes Desenhadores

I

Ele era mais aves.
E a cada canção,
sabia as cores e a forma
de quem as cantava.
Sabia ainda o que dizia,
se gritava de alerta,
se com a voz enamorada.
Tanto as conhecia
que ao desenhar uma fraga,
pelos tons da rocha
pela minúcia da estrada,
adivinhava os ninhos
os locais de repouso
residências de Invernada.

Ela era mais flores.
Adivinhava o movimento
da pétala amarrotada
que ao sol primaveril
se desenrola, luzidia, lavada.
E aos musgos segredava
segredos colhidos da água,
palavras parávam o tempo,
e ela, calma, no papel
imortalizava
o vento, o musgo,
as águas,
tudo pára,
os esporos nas coifas,
os gâmetas na água,
para que ela os desenhe
mão – grafite – deusa sussurrada.

Quando imortal o desenho surge,
retorna a brisa,
cada passo à sua estrada.

II

Todos eram a luz
que passa
e que inventa
a cada momento
nova paisagem.

Como se houvesse
que criar
distinta rapidez
ao desenhar.

Para cada luz
seu jogo de nuvens
outro sol descobre
sob a pedra uma passagem.

Aguça o mistério,
parda assim, a luz.
Espicaça o engenho
de quem desenha,
que sem o saber
está a deslindar
o segredo das sombras
o feitiço do olhar.

III

Vem o sol
e pelos raios de luz
descem os Duendes da Cor.
Cada um um tom
cada um um reflexo,
uma alegria,
acendem a ave, a flor,
a pedra, a cortiça,
a lagartixa luzidia.

Acorda o torpor
do sempre igual pardo terror,
todas as árvores do mesmo verde
cada orquídea cinza
na sua paixão dormente,
sem perfume,
sem a aura do amor,
morta para a abelha,
que passa, alheia,
sem saber que sombrio
o seu destino
pardo repousa.

Vem a luz
e com o sol
os Duendes da Cor.
E a orquídea que jazia
num pranto pardacento
acorda para ser amada.
Grita lilás!
E grita amarela, dourada!

Brilham os perfumes,
acordam os sons das asas,
fundem-se, orquídea e abelha,
enamoradas.
E segue o ciclo da vida
pelos duendes do sol renovada.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

A Caverna


Pessoas como barras metálicas
transportam vidas transparentes.

Pisam chão de paralelepípedos,
calcário preso no cimento.

No tecto
caixotões de betão frio.
Duas aberturas quadradas
por onde entra a luz:
uma azul, outra encarnada.
Nelas projectadas
sombras de grades.

Sete caixas de aço
controlam saídas e entradas.
Para entrar espera um casal
(ele e ela de costas,
cada um com telemóvel).
Duas senhoras
trocam de sacos.
Todos trocam de vidas.

Flores, barcos, peixes e fateixas
saem do fundo no vidro pintados.

Pessoas como caixotões de cimento frio
transportam vidros pintados de vida.