domingo, 23 de novembro de 2008

A Máscara encontra o seu Bigode ou o Flamingo Desiludido



OHHHHHHHH!!!


Era uma vez uma mão
a apontar numa direcção.
Mas não era bem, bem uma mão
era…..
OHHHHHHHHH!
Era o Crocodilo Aprendiz
a equilibrar uma chávena
na ponta do nariz.

A chávena tinha chocolate
quente, quente que se derretia.
Mas não era bem, bem uma chávena
era…..
OHHHHHHHHH!
Era um navio de brincadeira,
com cinco chaminés e um peixe
a espiar-lhe a bandeira.

O peixe era mágico
e fazia bolas de sabão.
Mas não era bem, bem um peixe
era…..
OHHHHHHHHH!
Era o pato Afonso Nico
há duas horas a tirar
uma mola da ponta do bico.

A mola de roupa
era de madeira e estava rouca.
Mas não era bem, bem uma mola
era…..
OHHHHHHHHH!
O tal peixe mágico
prestes a comer uma maçã
de um venenoso verde metálico.

A maçã era da Eva
envenenada pela serpente.
Mas não era bem, bem uma maçã
era…..
OHHHHHHHHH!
O Palhaço Assim-Assim
que andava à caça
do seu sapato de cetim.

O sapato de cetim
era brilhante e perdeu os atacadores.
Mas não era bem, bem um sapato
era…..
OHHHHHHHHH!
Era a Dragona das Bossas Douradas
a contar histórias à lua
que acorda triste nas madrugadas.

A lua adormeceu,
feliz com as histórias.
Mas não era bem, bem a lua
era…..
OHHHHHHHHH!
Era a tal serpente
que transformou a maçã
numa bela raquete reluzente.

A raquete de ping – pong
era vermelha e voava.
Mas não era bem, bem uma raquete
era…..
OHHHHHHHHH!
Era um aviãozinho lindo
que sabia a morango
e fumava cachimbo.

O cachimbo era de ouro
e o fumo fazia desenhos no ar.
Mas não era bem, bem um cachimbo
era…..
OHHHHHHHHH!
Era o Gato Pirulito
que olhava para a escova de dentes
como se fosse um palito.

A escova de dentes
era robusta e equilibrista.
Mas não era bem, bem uma escova
era……
OHHHHHHHHH!
Era um elefante curioso
que abria a Caixa dos Segredos
e abanava a cauda todo vaidoso.

A Caixa dos Segredos
tinha dentro o Palhaço Assim-Assim.
Mas não era bem, bem a Caixa dos Segredos
era….
OHHHHHHHHH!
A charrete do Trovador
puxada pelo Cinzento
que na boca levava uma flor.

A flor era o lírio amarelo
que tem os pós de Perlimpimpim.
Mas não era bem, bem uma flor
era…..
OHHHHHHHHH!
Era um enorme ramo de flores
que a Crocodília oferece ao Crocodilo Aprendiz
cheia de amores e muito feliz!


(criado a partir do livro “OH” de Josse Goffin)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Dois Rumos


Uma garrafa derrubada sobre a mesa deixa sair líquido às golfadas. A cadeira está de lado e o entrançado de palma molhado. A outra cadeira, em frente, está virada para o lado oposto, para o mar.

Duas pessoas estão sentadas. Os dois copos estão limpos.
Uma olha para o mar, a outra olha para o muro de pedra.

Não se cruzam, nem nos olhares.

Um dos pés balança.
Cai o cinzeiro vazio.
Duas mãos avançam para apanhar o cinzeiro.
Tocam-se os dedos.

Em Busca de Par no Caldo Primitivo


No início dos tempos, o nosso planeta gorbulhava numa calda de enxofre. Dizem os cientistas que eram os gases que se libertavam da água para a atmosfera.
Como é sabido, em ciência, as teorias estão no pedestal enquanto não são destronadas por outras novas. Aqui se propõe uma versão distinta para a origem da imensa efervescência do caldo primitivo.

Celuleucas, prometistos, amelgas e colimécios circulam em busca de par no caldo primitivo.
É uma loucura de trocar os olhos assistir aos raids de organismos tão rotativos. A velocidade é uma constante naqueles mares químicos.
Porquê?
Querem reproduzir-se para dominar quatro quintos da Terra desfeita em água.
Por isso provocam entre si todo o tipo de encontros fortuitos. E é tanto o rebuliço que as águas libertam fumos, claro está, da temperatura da espaventosa circulação!

Há desencontros também. Tal é o caso da celuleuca Dona Centopina que foge daqueles que a elegeram como par. Ou do espanto envergonhado dos colimécios, pretendentes rejeitados pela Dona Virgolina, quando ela os convida para dançar…

A febre nos oceanos primitivos, devido ao frenesi dos organismos que pululam, é tal que… a água se evapora… e temos gorbulhas, golhas e gorbulinas a saltar de um caldo fervente.

domingo, 2 de novembro de 2008

A Cabra Montês


Todas as manhãs
lá está ela outra vez,
a preparar-se para a corrida,
a coleante Cabra Montês.
Esta cabra não nos salta
em cima e faz em três.
Esta cabra
galopa neblinas
trota estrelas
amacia colinas
corre amanheceres.
Se acorda tempestades
de ribombões e faíscas
desenham-se na sua cauda
balões – leques às listas.
Se a aurora é limpa
e cintilam rumores de alfazema,
ganha a cor e o sabor do morango
em cada uma das pernas.
Se o dia tarda por ser Verão
e espreguiça-se o sol, dormente,
a cabra montês fica xadrez
na sua cara de veludo quente.
Mas é quando se abre a primeira flor
gritando a Primavera,
que no seu lábio superior
nasce uma linha em espiral
solta, seiva destemida,
corre, corre, corre
em infinita corrida.

No Mundo das Beijocas



O Detective Olho Azul
finalmente encontra
o Mundo das Beijocas.

- Estão todos presos!
Por excesso de beijoquice!

Muitas Beijocas! Muitas!
Pelo chão! Pelo ar!
Com asas e com rodas!
São aos milhões!
Bocas grandes! Vermelhas!
Beijinhos aos borbotões!

- Estão presos!
Excesso de beijoquice!
Já disse!

A correr aos esses
vão as beijoletas
e como queijos
em redondoitos
reboletam os borbeijos.

Jinhos pequenininhos
vão pelo Detective acima
numa fila estreita,
em ritmo Chuack
de oitava perfeita.

O Detective Olho Azul
não dá por nada
e coça o pé
a pensar que são formigas…

E num segundo
todo o seu corpo
fica coberto
de Jinhos e mais Jinhos
como se fosse um bolo
ooberto de chocolatinhos.

Por entre as Beijocas
avança a Boca Rosa Maculada
e prega no detective Olho Azul
uma lambidela lambuzada.

E foi assim
que o Detective Olho Azul …
se transbeijocou
em mil e um beijiundos.
Para sempre.

O Arqueiro


O arqueiro lança longe
mais um cheiro:
o da lã do carneiro
que estava no ninho da carriça.
Longe vai o cheiro,
até a uma barca, no mar.
Ao cair o cheiro quente do ninho
da lã do carneiro
no fundo da barca de madeira,
dele e dela,
a palavra amarga muda de tom,
começa a surgir brandura baixinho
e a barca passa a ninho.

O arqueiro semeia
outro cheiro:
o da terra – viva
em profusão primaveril.
Atravessa o campo
e cai na cidade,
num lancil de cimento,
e logo ali,
quem passa, sorri.




O arqueiro
permeia
memórias do que somos
com sonhos de maré cheia.
Trauteia
o campo com pedacinhos de mar
e a cidade que com fruta se recheia.
Caldeia
cheiros de lava
com perfumes de lavanda.

O arqueiro
é o Costureiro.
O arco leva a maçã sadia
que une aos rumores de maresia.
E caminha no suave bulício
do fogo que atea.



A Noiva



Lia, a cotovia,
é a noiva da noite
é a noiva do dia.

Vai casar ao sol postinho
vestida de avental xadrez,
tecido do mais leve ninho
suavizado da mais breve tez.

Lia, a cotovia,
caminha até ao altar
no cimo da oliveira
mais sábia, mais verdadeira.
Sobe ao cume
onde é coada a luz do mundo.
E apronta-se para casar.

Afofa os laços ao vento,
a sombra nos olhos alecrim.
Põe baton,
ajeita os sapatinhos de cetim.

E chega ao cimo da noite,
ao fim do dia,
noiva, noiva, noiva
chilreia Lia, a cotovia,
noiva da noite, noiva do dia.