quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Campos de Vento e de Morte



O Sr José Bento, moleiro, nasceu durante uma tempestade de sudoeste em que se partiram as velas do moinho. A sua música é a do vento nas pás e durante as migrações das aves, em Setembro, fica ausente. Alguns dizem que a sua aura voa para África com os abutres do Egipto.

Ao certo, ao certo, nunca mais foi o mesmo desde que um estrangeiro lhe contou que os andorinhões não dormem. São aves planetárias, dão a volta ao mundo sem descansarem. Adormecem em pleno voo e ao mesmo tempo estão despertas, porque dorme um hemisfério cerebral de cada vez.

José Bento é magro e não anda, antes levita, transparente, polvilhado de farinha. É de poucas falas, talvez por dizerem que rouba no farelo. Diziam, porque hoje já ninguém lhe leva cereal para moer. Mas também não é por isso que é mais falador.

Por fora não ri. Mas por dentro viaja com as aves (José é o próprio vento).
Mesmo que não moam, as pás funcionam num círculo ininterrupto porque há sempre vento perto de Sagres. Basta uma aragem pequenina no pano e a madeira roda. Toda a engrenagem está impecavelmente oleada para o concerto do vento.

Este ano começaram a funcionar os cinquenta aerogeradores. Ficam nos corredores migratórios das aves, perto do Sr José Bento Moleiro. Os aerogeradores são uma orquestra de trombones e o som do moinho é o solo de uma flauta de bisel. Mas os ouvidos de quem mói escutam apenas a cadência do engenho de vento.

O maior problema são as aves. Deixaram de passar. Já foi Outubro. Já foi Novembro. Princípio de Dezembro e a aura de José Moleiro não voltou a voar.
Perdeu-se para sempre num eterno solilóquio com o vento.

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