sexta-feira, 25 de abril de 2008

Nascem Nuteixos


No Reino Ceno não há ninguém mais irrequieto do que as Dunas. Sentem comichão quando homens e animais andam sobre elas, sobretudo quando os pescadores arrastam para terra os barcos pesados da pescaria, como acontece quando chegam da faina do atum à Praia do Barril.

Nuna é a Duna da Praia do Barril. Tem muitas cócegas nestas alturas e toda ela é um riso enorme e macio que se confunde com a rebentação das ondas. Anda sempre na cabriolice com o vento e com ele inventa construções na areia. Adora pregar partidas ocultando as fateixas das traineiras sob o areal.

No dia seguinte ninguém reconhece a praia...O corpo de Nuna assume novas ondulações que transformam o areal num castelo gigante com escadas da madeira dos barcos naufragados, ou num combóio de carruagens decoradas com conchas e búzios ou ainda numa torre com as embarcações da praia nas ameias. Uma vez, com os grãos de quartzo do seu corpo, imitou um cardume de sardinhas cintilantes à luz laranja da manhã. Aos olhos dos Homens tal aparição era uma miragem e entre as Dunas, Nuna, ficou conhecida como a Escultora das Areias.

Os pescadores perdem-se no meio da imaginação de Nuna e têm de procurar primeiro os barcos e depois as fateixas. Só que nunca encontram as fateixas e têm de voltar a fazer mais e mais porque não há cerco dos atuns sem elas.
É assim que Nuna consegue coleccionar lonjuras de fateixas. Embala-as
nas suas curvas de maresia quente ao som de melodias do Mundo das Medusas.

Cada dia que passa Duna Nuna constrói menos formas na areia na companhia do vento. Enternece-se horas a fio a olhar para as suas fateixas e a dar-lhes brilho com algas vermelhas.
Até que num fim de tarde chegou o Vento de Levante, danado para fazer reviravoltas no seu corpo alongado de beijas-mar. Nuna disse-lhe:
- A partir de hoje não me mexo mais. Tudo o que quero é cuidar das minhas fateixas.

O Levante sabia que se uma duna não brincar morre e como também não gostava nada de ser contrariado, respondeu-lhe:
- Nuna, Nuna...Uma Duna para ser Duna tem de dançar bailes de areia e de vento!
Mas como o que lhe dizia não dava resultado, Levante resolveu pedir ajuda ao Mago P.M.C. Zóico. Soprou ao seu amigo Vento de Noroeste e às filhas Brisas de Sul e de Norte para que o localizassem. Não havia hipótese de falha, já que todos os quadrantes do tempo estavam vigiados.
Assim que a Brisa de Sul avistou o Mago num bando de Ornitogeas, provocou uma tempestade tão inesperada e bamboleante que os obrigou a alterar a rota e a pousar na Praia do Barril.

A duna sentiu comichão provocada pelos pezinhos destas aves sobre o seu corpo de areia móvel. Mas foi quando o Mago pisou a praia que aconteceu algo de extraordinário: Duna Nuna transformou-se não num mas em centenas de Nuteixos, um por cada fateixa que acarinhava.

É por isso que quando vamos à praia do Barril podemos ver os Nuteixos alinhados na areia. São âncoras esbeltas e luzidias, vaidosamente dispostas como soldados dunares. São continuidade do areal, com o qual se confundem, tal como uma miragem que aparece e desaparece.
Se lhes encostarmos o ouvido cantam canções de medusa. Se lhes dermos brilho com algas vermelhas contam-nos histórias de pescadores da faina do atum e de dunas e ventos enamorados.

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