sábado, 19 de julho de 2008

O Bailado do Talude


Dona Grauva Bites e as irmãs são trilobites-bailarinas dos mares do sul. Juntam-se às poeiras finas na sua descida até ao fundo do mar e com elas assumem formas de criaturas ondulásticas na Dança das Bailarinas Mutantes. Todos os animais do oceano assistem a esta dança sentados ou suspensos nas águas: é o momento mais alto das festas no reino Paleo.

Entre a assistência do espectáculo de hoje está um convidado de honra: o Mago PMC Zóico. Uma comissão dos animais das profundezas, liderada pela Dona Grauva, chamou-o para os ajudar a resolver o problema das águas turvas.

Na verdade, as condições de visibilidade da dança são muito más. Todo o chão é de pó e basta um movimento para não se ver nada, tal é o barrento das águas. E como se não fosse suficiente, há dias em que a representação é interrompida a meio quando, sobre todos, assistência e dançarinas, o talude lança, de uma assentada, serpentes gordas de areia (o talude é um plano inclinado que liga o continente às planícies abissais; chega uma altura em que a terra que os rios lhe enviaram da superfície é tanta que escorrega e cai).

Aí tudo pára. Os espectadores ficam em croquete e saem para se sacudirem. A água fica tão escurecida que não se consegue ver um palmo à frente do nariz. Durante esse tempo não há bailado e todo o oceano fica triste.

No final do espectáculo, enquanto se sacudiam, a Dona Grauva pediu ao Mago PMC Zóico:
- Gostávamos que transformasse a areia do fundo do mar em rocha dura. É a única forma de podermos continuar a fazer a Dança das Bailarinas Mutantes.

O Mago PMC Zóico respondeu que queria ajudar, mas transformar partículas soltas em rocha consolidada exige uma pressão enorme, e para isso precisamos de mais material que se sobreponha a este! E mesmo tentando com a sua nova varinha mágica, o Nuteixo, não estava seguro de conseguir.
- Mesmo assim, Dona Grauva, vou a casa buscar o Nuteixo. Faremos o que for possível…

Mas Dona Grauva estava impaciente. Não queria esperar nem mais um segundo e resolveu agir por sua conta. Se era preciso fazer pressão sobre o fundo do mar só teria de aproveitar o facto do clã Bites ser muito numeroso. E enquanto o Mago não voltava, enrolou-se em trompilobite e tocou a reunir toda a família de trilobites dos mares do sul.

Em menos de uma gota começaram a aparecer de todos os lados, grandes, pequenas, compridas, redondas, todas com muitas patas, uns grandes olhos e o corpo dividido em três conjuntos de anéis. Estavam num frenesi:
- O que é que eu faço? O que é que eu faço? O que é que eu faço?

Dona Grauva explicou-lhes que pretendia que se colocassem umas sobre as outras para fazerem peso em cima das areias e os grãos se fundirem. E assim fizeram. As trilobites estiveram arrumadas, apertadas, numa pilha que quase chegava à superfície das águas.

O Mago chegou no exacto momento em que, exaustas, as trilobites saíam desmoronando-se. Muito orgulhosa a Dona Grauva foi ver: mas as partículas estavam soltas na mesma, a pressão não tinha sido suficiente. Nada de rocha consolidada. Tricorou, envergonhada, e deu meia volta para se ir embora, de pigídeos descaídos. Foi quando o Mago lhe disse:
- Dona Grauva, não desanime! A Medusa Xis poderá ser a chave para o nosso problema. É que, quando vinha para aqui, encontrei-a à entrada do Mundo das Medusas e o Nuteixo iluminou-se… Convido-a a vir visitá-la comigo.

E foram. Entraram por uma gruta que ligava a planície abissal ao subterrâneo Mundo das Medusas. à medida que desciam por uma alga filamentosa, a rocha ficava mais consolidada, a água era cristalina e tornava-se escuro. Até que surgiu uma luz muito brilhante: era a Medusa Xis.

A Medusa acompanhou-os a um amplo salão, iluminado por milhares de medusas, a perder de vista. Dona Grauva nem queria acreditar: rocha dura por todo o lado, muito bonita, às listas, em bancadas compactas! Que visão maravilhosa, com a água limpíssima, tudo tão nítido!

A Medusa Xis explicou-lhes que o peso das poeiras e das areias depositadas no fundo do mar desde o tempo dos seus antepassados era tanto que tinha agregado os grãos nas camadas abaixo, onde elas viviam. E todo o fundo do oceano, por quilómetros e quilómetros, era assim!!!
- Dona Grauva, convido-a a fazer a dança das Bailarinas Mutantes no Mundo das Medusas. Como vê, as águas são transparentes e espaço não falta. O que me diz?
- Sim! Claro que sim! – disse Dona Grauva, desta vez tricorada de felicidade.

Ainda nesse dia as trilobites dos mares do sul foram ensaiar para o palco das rochas às risquinhas. E passado um mês foi a estreia, no Mundo das Medusas, do mais belo bailado de que há memória: dançavam cintilantes trilobites e medusas, vistas em todo o seu esplendor.

No fim do espectáculo teve lugar uma cerimónia solene: o Mago baptizou as rochas que deslumbraram todos os animais do reino Paleo e que até àquele dia só eram conhecidas pelas medusas.

À rocha mais escura, resultante das poeiras finas, de deposição lenta, o Mago veio mais tarde a chamar xisto, em honra da Medusa Xis.
À outra, resultante das areias de deposição turbulenta do talude, o Mago veio mais tarde a chamar grauvaque, em honra de Dona Grauva.

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