A grande diferença entre os bailes da sociedade e os bailes do clube era os conjuntos. A direcção da sociedade recreativa fazia ponto de honra em contratar, com grande antecedência, os conjuntos musicais de maior notoriedade para animar os seus bailes. No clube preferiam-se os acordeonistas. Eram mais em conta e não cantavam em estrangeiro, modalidade que a direcção do Sport - Clube não apreciava.
Mas havia outras diferenças.
Nos bailes da sociedade só entravam os sócios, os respectivos familiares directos e os seus convidados. Nos bailes do clube entrava quem coubesse. As pessoas finas da terra não iam ao clube e na sociedade não se entrava sem fato e gravata.
Em comum o que os dois bailes tinham era que constituíam a única possibilidade de um rapaz se aproximar a menos de um metro de uma rapariga sem que por isso caísse o Carmo e a Trindade. Portanto, tudo aquilo que se tivesse de aprender em casa da arte de bem dançar era um mero pretexto para fruir essa raridade e sempre na expectativa de que um empurrão providencial de um dos outros pares em pista desse azo ao tão desejado “encontrão”. É que para os rapazes o sucesso do evento media-se em número de encontrões proporcionados. Já o insucesso media-se em função das negas, sendo certo que na sociedade uma nega era, regra geral, irrecuperável.
Vale a pena analisar porquê.
No clube, logo que o acordeão enchia o fole, as primas agarravam-se umas às outras e iam bailando para a banda dos moços que, assim incentivados, lá se iam metendo de premeio, e estava armado o baile.
Na sociedade as coisas piavam mais fino.
Todo o perímetro da sala era recheado de cadeiras de fórmica onde as donzelas, aos duos, aos trios ou aos quintetos, tomavam assento sempre e obrigatoriamente acompanhadas por elemento parental mais velho, do mesmo sexo e inquestionável respeitabilidade (exemplo: uma tia com cinco anos de viuvez).
Este anel de fogo só era interrompido em 3 pontos: o canto onde se instalava o “conjunto” e as duas portas de acesso à sala. Era por estas portas que os mancebos teriam que dar entrada, atravessando a imensa sala em toda a sua extensão, para respeitosamente, se dirigirem à tia – viúva:
- V Exa. vê inconveniente em que dance com a menina sua sobrinha?
Ora era justamente o espectro de uma nega a esta formalidade e o inevitável regresso a solo aos curros que levava a que muitas vezes o conjunto terminasse a primeira parte da sua actuação sem que o baile propriamente dito se iniciasse.
A situação era particularmente dramática nas matinés, que regra geral não eram frequentadas por casais ou por noivos. Por isso a rapaziada obrigava-se a laboriosas reflexões estratégicas de bastidores, sendo o plano de ataque mais usual a saída dos curros aos lotes, cada um com o seu alvo predeterminado.
A vantagem desta táctica é que, no meio da confusão, se tornava menos evidente o impacto individual das negas:
– Muito obrigada, mas já está comprometida.
A desvantagem era as cenas de porrada que se armavam no corredor quando dois candidatos ao mesmo alvo não se entendiam a bem.
Por estas e por outras é que os rapazes da sociedade preferiam organizar raides aos bailes dos clubes das vilas limítrofes cujos sapateiros não viam qualquer inconveniente em que as suas herdeiras volteassem muito arrumadinhas aos fatos com gravata dos ilustres visitantes.
Quem não estava para esses ajustes eram os moços da terra. Daí que a retirada dos forasteiros fosse frequentemente acompanhada por fenómenos meteorológicos de extrema raridade, como a chuva de pedras de calçada, por exemplo.
O principal aliciante do Baile de Carnaval era ver quem conseguia impingir uma “machorra” ao machão da terra. Aparelhado de mamas postiças, uma voz de falsete afinada pelos agudos da menina mais desejada da freguesia e a lição bem estudada, os melhores actores do povo eram atirados para os braços dos garanhões da vila.
Casos de grande sucesso aferiam-se pelos encontros marcados para a esquina da leitaria na tarde do enterro do entrudo onde a vítima aguardava especada até desoras para gáudio da populaça.
Eram outros carnavais! Nada que se compare ao esplendor dos nossos dias com os directos televisivos do desfile da escola de Ipanema no Sambódromo de São Paulo, o Ronaldo ao vivo em cima de um tractor no Carnaval de Sines, as meninas de Bragança em fio dental ou o programa clássico: a grande curte de ver o sol nascer (ou estaria a pôr-se?) com uma baita bezana e uma chavala (ou seria um chaval?!!!!).
Mas havia outras diferenças.
Nos bailes da sociedade só entravam os sócios, os respectivos familiares directos e os seus convidados. Nos bailes do clube entrava quem coubesse. As pessoas finas da terra não iam ao clube e na sociedade não se entrava sem fato e gravata.
Em comum o que os dois bailes tinham era que constituíam a única possibilidade de um rapaz se aproximar a menos de um metro de uma rapariga sem que por isso caísse o Carmo e a Trindade. Portanto, tudo aquilo que se tivesse de aprender em casa da arte de bem dançar era um mero pretexto para fruir essa raridade e sempre na expectativa de que um empurrão providencial de um dos outros pares em pista desse azo ao tão desejado “encontrão”. É que para os rapazes o sucesso do evento media-se em número de encontrões proporcionados. Já o insucesso media-se em função das negas, sendo certo que na sociedade uma nega era, regra geral, irrecuperável.
Vale a pena analisar porquê.
No clube, logo que o acordeão enchia o fole, as primas agarravam-se umas às outras e iam bailando para a banda dos moços que, assim incentivados, lá se iam metendo de premeio, e estava armado o baile.
Na sociedade as coisas piavam mais fino.
Todo o perímetro da sala era recheado de cadeiras de fórmica onde as donzelas, aos duos, aos trios ou aos quintetos, tomavam assento sempre e obrigatoriamente acompanhadas por elemento parental mais velho, do mesmo sexo e inquestionável respeitabilidade (exemplo: uma tia com cinco anos de viuvez).
Este anel de fogo só era interrompido em 3 pontos: o canto onde se instalava o “conjunto” e as duas portas de acesso à sala. Era por estas portas que os mancebos teriam que dar entrada, atravessando a imensa sala em toda a sua extensão, para respeitosamente, se dirigirem à tia – viúva:
- V Exa. vê inconveniente em que dance com a menina sua sobrinha?
Ora era justamente o espectro de uma nega a esta formalidade e o inevitável regresso a solo aos curros que levava a que muitas vezes o conjunto terminasse a primeira parte da sua actuação sem que o baile propriamente dito se iniciasse.
A situação era particularmente dramática nas matinés, que regra geral não eram frequentadas por casais ou por noivos. Por isso a rapaziada obrigava-se a laboriosas reflexões estratégicas de bastidores, sendo o plano de ataque mais usual a saída dos curros aos lotes, cada um com o seu alvo predeterminado.
A vantagem desta táctica é que, no meio da confusão, se tornava menos evidente o impacto individual das negas:
– Muito obrigada, mas já está comprometida.
A desvantagem era as cenas de porrada que se armavam no corredor quando dois candidatos ao mesmo alvo não se entendiam a bem.
Por estas e por outras é que os rapazes da sociedade preferiam organizar raides aos bailes dos clubes das vilas limítrofes cujos sapateiros não viam qualquer inconveniente em que as suas herdeiras volteassem muito arrumadinhas aos fatos com gravata dos ilustres visitantes.
Quem não estava para esses ajustes eram os moços da terra. Daí que a retirada dos forasteiros fosse frequentemente acompanhada por fenómenos meteorológicos de extrema raridade, como a chuva de pedras de calçada, por exemplo.
O principal aliciante do Baile de Carnaval era ver quem conseguia impingir uma “machorra” ao machão da terra. Aparelhado de mamas postiças, uma voz de falsete afinada pelos agudos da menina mais desejada da freguesia e a lição bem estudada, os melhores actores do povo eram atirados para os braços dos garanhões da vila.
Casos de grande sucesso aferiam-se pelos encontros marcados para a esquina da leitaria na tarde do enterro do entrudo onde a vítima aguardava especada até desoras para gáudio da populaça.
Eram outros carnavais! Nada que se compare ao esplendor dos nossos dias com os directos televisivos do desfile da escola de Ipanema no Sambódromo de São Paulo, o Ronaldo ao vivo em cima de um tractor no Carnaval de Sines, as meninas de Bragança em fio dental ou o programa clássico: a grande curte de ver o sol nascer (ou estaria a pôr-se?) com uma baita bezana e uma chavala (ou seria um chaval?!!!!).
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