quarta-feira, 2 de julho de 2008

A Proposta


Paulo Mendes é um homem feliz. Tem 28 anos e há 8 que é casado. Com a mesma mulher, Carminda. Mendes pelo casamento, não que ela quisesse, mas à última hora não ia discutir isso na frente do padre Eugénio.

Mora no interior do Algarve, no Vale das Éguas, onde ainda resistem três casais: a casa onde mora; andando 165 passos a descer pela margem da ribeira, a casa dos pais; pela esquerda, 111 passos ribeira acima, a casa dos sogros.

A azáfama é grande mas a família ajuda-se. A verdade é que as laranjas já não valem tanto, mas compras na praça é coisa que não se faz e a reforma vai dando para os velhotes se aguentarem. Os ordenados dele e da mulher juntos, do Hotel Roque Sol, dão bem para viverem.

Problemas são só os 3 332 passos que distam da sua casa ao alcatrão que o leva a ele e à mulher ao emprego. E anda para resolvê-los há mais de 12 anos.

Na verdade a questão ainda é mais antiga, do tempo em que tinha de ir à escola da Gralheira, a pé. Quando chovia, a estrada era barranco. E ele tinha que passar por cima dos valados.

Quando começou a trabalhar, comprou uma motorizada. Que não andava dentro de água nem passava por cima dos valados. Portanto o problema agravou-se. E não se resolveu quando, anos mais tarde, comprou um carro. Como se sabe, os carros também não andam por cima de valados.

Por isso, desde que faz a barba, o Paulo não deixa sossegar o presidente da junta " estou farto de andar por cima dos valados...". Mas nada.

Há tempos, durante a última campanha eleitoral para as autárquicas, apareceu em Vale das Éguas uma caravana de jipes, que, como se sabe, são carros que passam por cima de valados.

O candidato ficou entusiasmado por ver 3 famílias a viver num sítio tão afastado, com os campos bem arranjados e as casas caiadas. Paulo confirmou-lhe "somos muito felizes, mas temos um problema: os 3 332 passos da minha casa ao alcatrão".

O candidato prometeu-lhe "Eu resolvo isso assim que for eleito". E o Paulo acreditou. Porque este candidato era uma pessoa de fora, muito vista na televisão e com grande traquejo. E votou nele. Isto é, votou no arranjo da estrada, tal como a Carminda, os pais e os sogros. E o candidato foi eleito.

Paulo ficou na expectativa do início das obras. Dois meses, seis, acabou o Verão...e já não esperou mais. Foi à câmara "Quero falar com o Sr Presidente".

Paulo lá lhe foi lembrando da promessa de arranjar a estrada. O presidente teve então uma ideia genial " Se você quisesse, eu arranjava uma casa para si, aqui na cidade, e também para os seus pais e sogros". Paulo sorriu "Oh Sr Presidente! Nós não queremos mudar de sítio. Nós somos felizes ali." "Sendo assim, depois dizemos-lhe alguma coisa".

Passados 15 dias, estava o Paulo na segurança do turno da noite a folhear um jornal diário...lá estava a fotografia do presidente a dizer que "era uma prioridade da autarquia combater a interioridade através da conjugação de sinergias para incentivar os jovens a instalarem-se nos campos, nomeadamente através da requalificação das acessibilidades...".

Paulo Jorge tresleu e concluiu: "É desta!!!"
Por isso, foi com enorme expectativa que uns dias depois abriu a carta acabada de chegar da câmara. Lá dentro, juntamente com as instruções de preenchimento, vinham três conjuntos de impressos para candidatura a habitação no novo bairro social da sede do concelho, bem junto ao mar.

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