Sinto o aroma do leite de cabra com a flor do cardo quando vejo a Ribeira de Odeleite a fundir-se no rio Guadiana. E nem os cem turistas seniores norte-americanos que tomaram de assalto a estrada por onde seguia com o meu dois cavalos vermelho me desviaram do propósito de encontrar a queijaria da Dona Olívia.
Resolvi virar na primeira estrada de terra batida - já não me recordava ao certo como se chegava à povoação de Foz do Odeleite. Mas não era por ali. Estava numa propriedade ladeada pelos dois cursos de água, com figueiras, alfarrobeiras, amendoeiras e oliveiras, com muito pasto e cabras, cujo dono era um inglês que não estava cá porque não podia edificar em zona de Reserva Ecológica Nacional.
Voltei para trás e passei novamente pelos turistas, já quase todos no convés do barco que, subindo o rio, os levaria à zona de arqueologia industrial do Pomarão, depois de Alcoutim. Entrei noutro caminho. Reconheci a estrada e em breve estava num emaranhado de casas brancas onde já nem conseguia virar o carro. Perguntei onde morava a Dona Olívia, e uma senhora toda de negro, com lenço na cabeça, indicou-me que era a última casa, com vista para o Guadiana e para Espanha.
Tive medo dos cães e bradei "Dona Olívia, Oh Dona Olívia!!!!"
Apareceu-me por detrás do tilintar das fitas azuis e amarelas que protegiam a porta, uma figura baixa, magra, discreta. "O que deseja?" " Queijos, ainda tem?"
Entrou, foi buscar um casaco, disse alguma coisa ao seu homem, encostou a porta, "Vamos à queijaria."
Era numa antiga venda, conservava o balcão de madeira logo quando se entra, ligado a duas salas: uma pequena, onde se armazenam os queijos para cura, e outra maior, com várias panelas de leite no chão, onde se ferve o leite e se retira o soro numa banca de aço inox. Tudo impecavelmente limpo.
Junto ao balcão está o frigorífico vertical em vidro, onde se podem ver os queijos imaculados e a mágica infusão da flor do cardo dentro de um copo. "Este líquido castanho é adicionado ao leite para coalhá-lo, depois de fervido e de ter a temperatura ideal" explicou-me Dona Olívia.
"Aprendi com a minha avó. A minha mãe não queria saber de queijos. Fazia em casa, para o meu marido e para o meu filho, e só depois, como a venda não estava a dar nada, é que fizemos esta queijaria. São eles que cuidam e ordenham as cabras, eu, a minha nora e a mãe dela fazemos os queijos."
Quis saber se era suficiente durante todo o ano para a família "Sim, em épocas boas como esta faço 300 queijinhos dia sim dia não. O meu filho no Verão vai para o restaurante ali em baixo. Nessa altura o movimento dos barcos que sobem e descem o rio com turistas é muito maior e aumentam as encomendas de ensopado de enguias e de lebre com feijão branco."
Dona Olívia cultiva a terra: batatas, tomate, melão, cebola e tudo o resto que é preciso. "Mas é uma tristeza ver os campos abandonados, as casinhas a cair. As nossas são casinhas bonitas, não como aqueles prédios que há em Faro, muito altos. E é mesmo para lá que estão a ir todos..."
O filho dela ficou. "Temos cabras e queijos. Mas não julgue que isto de ordenhar 150 cabras por dia é fácil. É preciso uma grande quantidade de leite para os queijos porque o leite de cabra tem muito soro, rende pouco."
Não tem nada a indicar que vende queijos, mas não precisa, porque quem conhece volta. Dona Olívia não consegue responder a todos os pedidos. Agora, por exemplo, vê-se aflita para ter 4000 queijos curados encomendados por uma residencial...
Tem pena que os campos estejam todos a ser comprados por estrangeiros. "Alguns juntam parcelas pequenas numa grande propriedade e até vivem lá dentro em caravanas quando não os deixam construir."
Despedi-me com a promessa de voltar.
Antes de entrar no asfalto, parei, rodeada da branca flor da esteva, para comer à dentada um dos queijinhos que trazia.