sábado, 16 de agosto de 2008

17ª Bola



Desde Setembro. Bastaram sete meses para só restar eu. Os outros foram-se em estilhaços.
Hoje, quinta – feira, mais uma vez, lá vai ela. Pele cheia de sinais castanhos e piercing no lábio superior. Traja calções e botas de camurça preta. Sentou-se no lugar habitual para tomar café. A sombra do pinheiro hoje não a tapa, ajeita-se para escapar ao sol.

Tem enrolado ao pescoço um colar de contas de madeira clara, pequenas, intercaladas por bolas grandes. São ao todo 16. Uma por cada jogo. Uma por cada vidro. Hoje ao fim da tarde já serão 17.

Tem ao lado, sobre o tampo de plástico o velho dossier de lombada vermelha a abarrotar de folhas. Senta-se, reclinada para trás, com a barriga proeminente. Come um bolo em grandes dentadas e fala, de boca cheia, com as três colegas. Banalidades. Ansiedades para a final entre a Física e as Engenharias.

Sob o pinheiro- baliza, o que está mais perto do centro do pátio, está um casal. Já chegaram há algum tempo - vieram mais cedo para o jogo. Ele, vestido de negro. Ela, loura, gorda, camisola com rosas estampadas. Estão virados um para o outro, sentados nos dois bancos corridos que com a mesa rectangular ao centro fazem uma só peça. Todo o conjunto pende para o lado dela. A areia que inicia o pinhal e afofa as bolas cedeu.

O pátio é de paralelepípedos irregulares de calcário. Tem um círculo de 8 metros de raio feito em tijolo – burro cujo centro é marcado por um cano largo e tosco, enterrado na vertical e com a ponta enrolada num trapo branco, velho e sujo. Tem passado rasteiras a muitos jogadores – chamam-lhe a mangueira e é o centro formal do campo. A assistência dispõe-se em volta, sentada até que os últimos da fila colem as costas às paredes dos edifícios.

Começam já a chegar alunos das outras faculdades e a entrar no pátio pelo túnel do meu edifício, de fachada redonda. São poucos os que vêm pela entrada do pinhal em frente, protegida por quatro pinheiros mansos da mesma altura dos prédios. São pinheiros podados de forma a terem o primeiro ramo à altura de um homem.

Os jogadores estão já em campo – engenharias de azul, física de vermelho. Ela dá início ao jogo, deu início a todos os jogos desde que foi para a associação académica. Foi ela que inventou a moda dos estilhaços de vidro das janelas dos laboratórios. Hoje sou eu. Já não vou ter tempo de vê-la colocar a 17ª bola no colar de madeira. Está a fazer pontaria.

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