terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Silêncio das Pinças Desaparecidas




O Mago PMC Zóico sempre disse ao Piano:
- Tocas tão bem como o mar. Mas na Praia de Santa Luzia nasce a mais bela música do reino Ceno.

Por isso, o Piano pediu a quatro das suas teclas – ao Sol, ao Mi, ao Fá e ao Ré – para irem a essa praia gravar o som do mar. E nesse mesmo dia chamou a sua amiga Ondina para que as levasse.

Chegaram à tardinha. À frente delas todo o areal estava coberto de caranguejos com uma enorme pinça quase tão grande como o seu corpo. Estavam a fazer um espectáculo de luta pinça – a – pinça para uma assistência de caranguejas, sentadas nas rochas em redor.

As teclas camuflaram-se com a areia que se prendeu ao seu ébano texturado e em segundos estavam dispersas no meio do público. As caranguejas, como não tinham pinça gigante, percutiam as suas duas pequenas tenazes quando o seu herói tinha vantagem e, pelo contrário, se ele cedia, nem se moviam! E retinham a respiração.
Havia claques organizadas. De entre elas destacava-se a que torcia pelo caranguejo Bocas: enchiam os ares de:
“ tirititiri, tirititirá,
melhor que o Bocas,

não há.”

O árbitro era um polvo que soprava flautas - de - pan de búzios – beijinhos para dar início aos combates.
Cada luta acontecia entre vários caranguejos e todos guerreavam com todos. Batiam pinças com pinças e coreografavam a areia numa luta – dança - concerto.

slurp…piririnhuzsssss … (soavam as carapaças a roçarem umas nas outras)
shrimpintói…eshsesss sheeess…(faziam as pernas ao desenharem formas no chão)

Era um bailado. E mais que uma luta de caranguejos, era uma música de espantosa harmonia.

O Ré foi o primeiro a perceber que esta luta, que também era festa, estava na origem da música secreta da Praia de Santa Luzia.

Os sons das pinças dos caranguejos e da sua dança nas areias,
os apupos, os assobios e os slogans das caranguejas,
os apitos do polvo - árbitro
associavam-se à rebentação das ondas,
na mais perfeita melodia que uma tecla de piano, ainda que bemol ou sustenida, pudesse imaginar.

As teclas conseguiram encontrar um búzio CD – R 700 MB e captaram todo o concerto até Ondina as chamar para o regresso a casa.
Quando chegaram, o Piano pôs imediatamente o búzio a tocar:
- Que música maravilhosa! – disse em tom maior.
Todos os dias o Piano o ouvia, queria conseguir tocar assim. E tanto ouviu, tanto ouviu que o búzio se gastou.
Voltou a enviar as teclas à praia, no dorso da sua amiga Ondina.

Mas o areal estava uma confusão! Só se viam caranguejas a correr umas atrás das outras na areia e ninguém a assistir sobre as rochas. Não se vislumbrava uma única pinça gigante! Um único caranguejo! Só caranguejas!!
Arranhavam-se, escorregavam, gritavam,
… trrrrrelac….lac, zorrkt, zeerrrinck…
rrrink…zoing…richt…zaigrrá…choft….

- Mas onde estão os caranguejos das pinças gigantes? – estranharam as teclas.
Faziam movimentos loucos como quem quer lutar e não sabe como. O árbitro andava confuso e apitava tudo o que encontrava pelo caminho – algas, rochas, búzios de todas as cores e feitios….
Agora sim, era uma guerra, e o som que faziam era horrível! As teclas não podiam gravar aqueles ruídos iguais aos de uma harpa desafinada!!

Até que o Fá disse
- Olhem! Afinal há caranguejos! Confundem-se com as caranguejas porque só têm a pinça pequena. A pinça gigante desapareceu!
Era verdade, como se alguém lhes tivesse arrancado o seu único braço grande e possante.

As teclas ficaram imóveis, na praia, a assistir àquela correria, até que, exaustos, caranguejos e caranguejas pararam. Cada um foi para a sua galeria, escavada na areia. A praia ficou deserta.
As teclas olharam umas para as outras. Em silêncio. Silêncio. Absoluto silêncio.

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