A vida da minha avó foi árdua mas simples. No seu tempo vivia-se mourejando de sol a sol. Não havia vagar para as grandes questões existenciais que hoje nos ocupam, mas também a verdade é que elas estavam então naturalmente resolvidas pela fé cristã.
Durante muito tempo a graça de Deus foi providencial para explicar o que se entendia, e o que não se entendia pertencia ao vasto domínio dos mistérios de Deus.
Este modo de vida tem vindo a desmoronar-se à medida que os homens têm avançado nos domínios da ciência e da técnica, desvendando um por um os grandes mistérios da criação e transformando em brincadeiras de crianças qualquer dos grandes trabalhos de Hércules.
Desviam-se rios e derrubam-se montanhas com a mesma facilidade com que se trocam corações. E quando dentro de alguns anos se clonarem pessoas como quem reproduz cogumelos numa estufa fria, não será de estranhar que se façam voos turísticos à lua...e eu quero ir!
A realidade suplanta a ficção. E a realidade é um processo liderado pelo Homem. Mas atribuir a toda a Humanidade os avanços conseguidos deve ser a atitude de modéstia mais hipócrita da nossa civilização, porque tem sido o ocidente cristão o motor de todo este processo.
Já há vários séculos que se instalou na Europa a convicção de que o mundo se deveria organizar para servir um só Deus, e ao servi-Lo, servir-nos a nós enquanto seus directos e dilectos procuradores. As cruzadas foram o primeiro grande sinal deste sentir e desta forma de estar que usa o cristianismo como testa de ferro numa operação de marketing inigualável...Cristo e a cruz funcionaram como um "abre-te sésamo" de novas fronteiras e de novas fontes de riqueza. Foi assim que as catedrais de Sevilha foram construídas: com o ouro dos Incas, sob o signo de Deus.
No entanto, houve quem resistisse à mensagem, e desde então o mundo dividiu-se em dois: o ocidente e a sua esfera de influência, reino de Deus, e o resto, terra de infiéis, pátria de terroristas.
Ao tomar nas suas mãos as funções divinas o Homem assume-se igual a Deus e resolve o enigma: Deus é o Homem.
Mas Deus não é um Homem qualquer: Deus é o Homem Ocidental.
A nossa civilização substituiu-se a Deus, tem um sentido missionário de levar a salvação aos outros. Começámos com a libertação da Terra Santa e nunca mais parámos.
É este espírito de missão que nos legitima a impormo-nos aos outros como se de uma questão de sobrevivência se tratasse.
Somos intocáveis. Acima da crítica. Iluminados pela razão.
Levamos a guerra e a paz, dominamos a agricultura, nós é que sabemos como devem os outros comer, vestir-se e ter fome.
Regulamos o destino dos outros homens, impondo-lhes, por exemplo, sistemas políticos ideais, como a democracia. E já não há mistérios.
Bom...não é bem assim: continuamos sem saber onde está o Bin Laden.Não compareceu à intervenção cirúrgica que lhe tinha sido marcada pelo sistema de saúde norte-americano. Talvez tenha preferido as medicinas alternativas, como beber uns "xás" numa clínica serrana.
O que se fez em nome de Deus? O que se faz hoje em nome do Homem?
A minha avó não acreditava que o homem tivesse ido à lua, porque "voar é para os pássaros". Usava um lenço negro na cabeça como parte do seu luto carregado desde que o meu avô morreu. A minha avó entenderia porque usam "burka" as muçulmanas. Afinal, até há bem pouco tempo, também fomos terra de infiéis, e é provável que muitos deles tenham ficado por cá...
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