sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Os Bonecos de Dom Sigismundo





Hoje é o dia escolhido pelos bonecos de Dom Sigismundo para atacar a sua enorme boca de hipopótamo com três dentes. Levantam lentamente a tampa da mala, sempre aberta, e saltam para fora levando escadas, cordas e apoios de escalada para a subida até ao nariz. Nove deles transportam botes de borracha insufláveis para navegarem na saliva.


O urso de peluche vai mais carregado porque pensa construir uma moradia frente ao pescoço e pouco depois da língua, quase no fim do queixo. Não que considere que aí seja um lugar sossegado - não é - mas está protegido dos jactos de comida que são disparados através dos buracos das gengivas quando Dom Sigismundo mastiga.


Quem comanda as operações é uma ânfora romana que bale. Dom Sigismundo encontrou-a numa das suas deambulações em busca de objectos perdidos sobre as areias dragadas do rio Deará.


Dom Sigismundo havia transformado esta ânfora num roberto, tal como o urso de peluche e todos os outros, que começam por ser objectos encontrados e acabam como actores dos espectáculos que Dom Sigismundo apresenta nas feiras do sul.


À ânfora romana que bale chamou Maria Forelha, intrigado com o facto de saírem da sua boca sons de ovelha e não sons de mar, tal como nos búzios. Até mesmo podiam sair sons do garum, quando pés de homens calcam o peixe salgado com especiarias, ou o som do vento nos olivais guardado no corpo líquido luzente do azeite. Agora mééééé...méééé...! Não sabia explicar porquê, já que as ânforas não guardam carne... Quando a encostava ao ouvido era como se um rebanho de ovelhas marinhas entrasse pela casa adentro!


Dom Sigismundo colou lã virgem com um palmo de altura em torno das pegas de Maria Forelha: assim nasceu o seu farto cabelo branco, com madeixas castanhas. Vestiu o seu ventre bojudo de ânfora madura com uma peúga tricotada com sete agulhas pela sua avó e fez-lhe os olhos com dois botões castanhos dourados do seu colete. Recortou uma boca carnuda e grande do veludo carmim do cortinado da sala.


Se Dom Sigismundo tivesse paciência e ouvisse mais demoradamente o balir de Maria Forelha, saberia que os sons, aos poucos e poucos, se transformavam numa melodia e numa história.
Quando Dom Sigismundo adormecia, Maria Forelha entoava baixinho uma canção de embalar dentro da mala, debaixo da cama, e contava histórias aos outros robertos.

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