Pesados de negro, como se tivessem regressado de longínquos tempos, caminhavam pelas ruas da vila apertada e branca.
Caminhavam lentamente, envoltos na poeira do caminho.
Havia dignidade no silêncio dos passos daquela marcha sincopada, numa cadência de homenagem sentida que dir-se-ia regida por uma música ausente ouvida por todos.
Sem saber como, já fazia também parte daquele pó ancestral, pelo menos assim o entendi quando comecei a ouvir o Coro dos Hebreus de Verdi.
Ouvia risos e as casas brancas da rua esfumavam-se. A multidão era-me cada vez mais familiar, e sons, imagens e cheiros do meu passado tomavam-se presentes. Apareciam – me intermitentes enquanto a marcha prosseguia ao som do canto, agora mais forte.
Caminhava e sentia-me imóvel. Cada um dos outros era meu conhecido, sorria-me, falava-me, mas ouvia-os como a um eco que não conseguia perceber.
Quem é esta gente? O que fazem aqui? O que faço eu aqui no meio deste cortejo de almas andantes que se afastam? Que me deixam chegar à frente onde caminho ao lado do enorme ataúde branco onde jaz uma mulher muito velha, de longos cabelos cinza, com um sorriso igual ao meu??!!
O pânico prendeu-me o olhar ao futuro de mim própria. Queria fugir dali, mas só conseguia ler, repetidamente, o slogan impresso em letras doiradas sobre o fundo negro da carroçaria: “Agência Funerária Ramiro – tudo para o seu funeral”. “Agência Funerária Ramiro – tudo para o seu funeral”. “Agência Funerária Ramiro – tudo para o seu funeral”, mas agora impresso sobre a parede encardida que uma senhora gorda acabava de limpar com uma escova de piaçaba.
O recorte das casas brancas ressurgia nítido e na rua deserta ouvi o Sr Ramiro:
- Que tal? Gostou da nossa nova propaganda inter-activa? Estamos ainda numa fase experimental, sabe…precisamos da sua opinião…Conte, conte lá…Gostou do seu funeral?
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